Por Ricardo Shultz Martins
O Burnout do Atleta
Quando falamos em treinamento e exercício físico, nós sabemos que a sua curva de benefício possui um formato de U invertido - muito pouco exercício/treino é ruim enquanto muito treino/exercício físico também é ruim. Porém, em um mundo onde o "trabalho duro, trabalhe mais" é extremamente valorizado e incentivado, podemos nos deparar com o contínuo onde o exercício físico e o treinamento podem se tornar prejudiciais.
Quando falamos em treinamento, existe a necessidade de dividirmos esse contínuo em quatro situações diferentes:
01 - Fadiga aguda: é o estado de depleção (energética, nutricional, hormonal, nervoso, etc) que ocorro nas horas/dias seguintes à sessão de treinamento; a recuperação nessa fase tende a ser 100% e o atleta em questão não sofre nenhuma perda de performance nas sessões de treinos subsequentes.
02 - Overreaching funcional: é o estado onde há um período programado de sobrecarga de treinamento com uma queda programada na performance de, no máximo, duas semanas; aqui é importante frisar que esse é um período de sobrecarga de treino programada para o atleta e que, quando feita na maneira certa, eleva a performance do atleta e é, geralmente, seguida de uma fase de tapering (pré-competição) ou de deload (redução de volume de treinamento).
03 - Overreaching não-funcional: ao contrário do overreaching funcional, o overreaching não-funcional gera uma queda de performance maior que 2 semanas e que é acompanhada de sintomas psicológicos (irritabilidade, depressão, perda de apetite) e fisiológicos (fadiga persistente, alterações no padrão de sono, taquicardia, etc). Embora o overreaching não-funcional seja acompanhado de toda essa repercussão, a redução no volume/intensidade de treinamento e descanso adequado tendem a ser suficientes para recuperação plena do atleta.
04 - Overtraining: porém, quando o atleta em overreaching não-funcional não tira o pé do acelerador, ele pode entrar em um estado maladaptativo crônico conhecido como overtraining onde há um impacto negativo importante na funcionalidade do atleta e que pode cursar com, além da queda de performance, sensação persistente de dor muscular e fadiga, sono não reparador, infecções de repetição, depressão, amenorreia (ausência da menstruação) e lesões musculares recorrentes.
Tá, mas como identifico um atleta com suspeita de overtraining e overreaching não-funcional? O maior indicativo é uma queda de performance inexplicada que é, geralmente, acompanhada de fadiga desproporcional, perda de libido, alterações psicológicas (ansiedade, irritabilidade, falta de concentração), insônia/sono não-reparador e dor muscular. Geralmente, a fase de treinamento desse atleta apresenta intensidade e volume elevados.
Identifiquei que meu atleta pode estar sofrendo com overtraining. Como devo proceder do ponto de vista do treinamento?
A primeira coisa a ter em mente é que não existe uma solução rápida para esse estado e que não há uma receita de bolo pronta que sirva para todos os atletas. Segundo, a educação do atleta deve ser feita de maneira que este entenda que o programa de detraining (redução no treinamento) é um pilar na recuperação da sua performance - minha experiência pessoal é que muitos atletas acreditam que é uma fase passageira e que o tempo com redução na intensidade/volume de treinamento vai lhes causar um atraso na preparação, algo que está errado.
Para atletas mais experientes, uma redução entre 50 a 75% na intensidade, frequência e no volume de treinamento por uma a duas semanas pode ser suficiente. Ou seja, aquele atleta que treina musculação 6x na semana seguindo a prescrição de 4 séries de 12 repetições por exercício poderia se beneficiar em treinar 3x na semana (redução de 50%) fazendo 4 séries de 6 repetições ou 2 séries de 12 repetições (redução de 50%) durante 1-2 semanas.
Porém, para outros atletas pode ser necessário uma suspensão quase total das sessões de treinamento com a liberação apenas para exercícios leves (intensidade entre 6 e 11 na 6-20 Escala de Borg). Vale lembrar que, ainda assim, o descanso total por 1-2 semanas pode ser necessário com uma retomada gradual na rotina de treinamento.
Detalhe muito importante - uma vez que o atleta começou a se recuperar do overtraining, pode ser necessário até 2 meses para o atleta voltar a intensidade/volume de treinamento anterior ao overtraining!
Leu até aqui, mas gostaria de uma mensagem para nunca se esquecer sobre overreaching não-funcional e overtraining? Fique sempre de olho nas alterações psicológicas do seu atleta! Na maioria das vezes, alterações de humor como ansiedade e irritabilidade irão surgir antes da queda de performance. Desse modo, sentiu o atleta ficando um pouco mais irritado, um pouco mais ansioso em uma fase de treinos que não deveria acontecer e que não existe nenhuma explicação (ex: problemas familiares e de relacionamento) para isso? talvez seja válida uma redução na carga de treinamento transitória desse atleta.
Ricardo Schultz Martins
Bacharel em Fisiologia do Exercício pela Acadia University.
Mestre em Fisiologia do Exercício pela Brock University.
Especialista em Suplementação Esportiva pela Dietitians of Canada.
Acadêmico de Medicina pela Universidade do Planalto Catarinense.
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