Por Ricardo Shultz Martins
Mais rápido, mais alto, mais forte: são algumas descrições do interesse humano desde o início da história. Por exemplo, na idade da pedra, ser mais rápido, mais alto e mais forte era sinônimo de sobrevivência. E, se formos pensar mais a fundo, esse tripé nunca deixou de existir - principalmente quando o assunto é performance atlética. Todo atleta - independentemente do nível de performance - quer melhorar e sonha um dia ser o melhor no seu esporte - seja ele qual for.
Porém, quais são os componentes fisiológicos por trás de uma performance física de alto rendimento? Segundo alguns estudos na área são, basicamente, três itens principais que se subdividem:
O primeiro é a capacidade aeróbica (VO2max e limiar anaeróbico). Esse item se refere basicamente à capacidade do sistema cardiopulmonar (coração e pulmões) em receber e distribuir oxigênio aos músculos e de expirar gás carbônico. E quais são os determinantes do VO2max?
1) Densidade capilar - quanto mais capilares maior a entrega de oxigênio e nutrientes e retirada de metabólitos do músculo.
2) Débito cardíaco - ou quantos litros de sangue seu coração consegue bombear por minuto. Quanto maior for a capacidade de bombear sangue, maior será sua capacidade de manter o exercício em alta intensidade. É como se fosse a bomba de gasolina dos eu carro. Você pode ter um motor de Ferrari (músculatura) mas se a bomba de gasolina (coração) for de um fusca, você nunca vai conseguir suprir a necessidade do motor.
3) Quantidade de hemoglobina - esse determinante é relacionado a capacidade do sangue em transportar oxigênio para os músculos. A hemoglobina é como se fosse o carteiro que entrega oxigênio para os músculos. Quanto mais carteiro (hemoglobina) você tem, maior será sua capacidade de entregar encomendas (oxigênio) - assim, altos índices de hemoglobina auxiliam - e, consequentemente, de transporte de oxigênio - na sua capacidade de manter uma intensidade de exercício elevada.
4) Quantidade de mitocôndrias e enzimas aeróbica - que se refere a capacidade do seu corpo em utilizar o oxigênio e gerar energia. Para ficar mais fácil o entendimento, pense na mitocôndria como uma usina hidroelétrica e as enzimas como as turbinas para gerar eletricidade. Quanto maior a intensidade do seu treino, maior é a necessidade de energia. Se você usa mais energia (exercício) que sua usina hidroelétrica (mitocôndria) pode gerar, é normal que aconteça um apagão (fadiga muscular).
Atuando como complemento da capacidade aeróbica, a capacidade anaeróbica é referente a abilidade do corpo em lidar com o excesso de ácido lático. Como assim? Uma vez que você se alcança o seu limiar anaeróbico, você atingiu o limite da capacidade aeróbica de produzir energia. Se você quiser, você consegue se exercitar acima desse limite - graças a sua capacidade anaeróbica. Ou seja, você ativa outro sistema para produção de energia - agora de maneira anaeróbica.
Eventos de explosão são ótimos exemplos da importância da capacidade anaeróbica.
Diferentemente do VO2max, a capacidade anaeróbica não possui muitos determinantes. O primeiro determinante é relacionado a quantidade e atividade da enzima lactato desidronease que é responsável por gerar energia do piruvato (um derivado da glicose) em ácido lático. Porém, o corpo possui alguns mecanismos que auxiliam no metabolismo do ácido e na manutenção do pH seja transformando o lactato em substrato para energia ou a conversão hepática em glicose novamente - sendo chamado de capacidade anaeróbica. Por fim, a eficência mecânica é o terceiro componente que determina a performance física de uma pessoa. Mas o que é essa eficiência? Ela é basicamente a aptidão do corpo em movimentar-se de uma maneira eficiente e econômica e está baseado nos seguintes items: 1) Distribuição de fibras tipo I e tipo II - de uma maneira geral, fibras do tipo I (contração lenta) e tipo IIa e IIb (de contração rápida). Cada uma dessas fibras possui características próprias como tamanho, tempo de contração, produção de força, densidade capilar, capacidade oxidativa e glicolítica entre outras - a lista é grande. Mas basicamente, essa distribuição é determinada, principalmente, pela genética! Ou seja, a genética pode terminar em quais atividade físicas uma pessoa terá mais facilidade em se desenvolver. Por exemplo, uma pessoa com predominância de fibras do tipo IIa e IIb (fibras extremamente potentes mas resistência) tende a ser bem sucedida em esportes de explosão e de curta duração como levantamento olímpio e 100m rasos - enquanto uma pessoa com predominância de fibras do tipo I (fibras lentas mas com alta resistência) tende a ser bem sucedida em esportes de endurance como maratonas.
2) Recrutamento e coordenação muscular - se referindo a eficiência que uma pessoa consegue ativar a musculatura necessária para fazer uma atividade. Por exemplo, o ex-ciclista Lance Armstrong foi por diversos anos o ciclista mais bem preparado do mundo sendo campeão do famoso Tour de France. Porém, quando foi correr uma maratona, teve uma performance equivalente a atletas semi-profissionais. Porque? a coordenação muscular do Lance era programada para ciclismo onde sua eficiência mecânica era quase perfeita. Porém, quanto tentou correr, mesmo tendo uma excelente capacidade aeróbica e anaeróbica, não teve um desempenho muito bom devido a sua baixa eficiência mecânica. É como você dar um carro de F1 para uma pessoa que acabou de tirar a carteira - o carro é perfeito porém sua eficiência como motorista não. 3) Antropometria - é as última determinante da eficiência mecânica - e é bem clara e direta. Por exemplo, ma pessoa acima do peso tem um gasto energético maior para se movimentar do que uma pessoa com peso normal. Porque? a massa a ser movida é maior, por isso requer mais energia dos músculos. Ou seja, o termo "performance de alto rendimento" é multifatorial com aspectos genéticos e ambientais. Vale lembrar que, por mais que a genética seja importante, o treinamento feito de maneira correta pode ter um impacto significativo. Por isso, o treinamento de um atleta profissional é bem complexa - não podendo treinar apenas um fator e ignorar os outros. Sem falar que o que foi abordado até aqui considera apenas a parte física do atleta - sem considerar o treinamento técnico, tático e psicológico. Por este motivo, sempre procure um profissional qualificado.
Ricardo Schultz Martins
Mestre em Fisiologia do Exercício pela Brock University.
Bacharel em Fisiologia do Exercício pela Acadia University.
Especialista em Suplementação Esportiva pela Dietitians of Canada.
Acadêmico de Medicina pela Universidade do Planalto Catarinense.
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